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quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

AUXÍLIO MÚTUO



Um certo rabino, muito justo, teve permissão para visitar Gehena, tido como purgatório e Gan Eden, tido como paraíso.

No Gehena, gritos horrendos provinham de rostos angustiados.

Todos estavam sentados à volta de uma grande mesa e, sobre ela, iguarias, as mais deliciosas que alguém possa imaginar, adornadas por pratarias e louças que o justo rabino nunca vira igual.

Sem entender por que sofriam tanto, o justo rabino observou que os seus cotovelos estavam invertidos, de tal maneira que não podiam dobrar os braços para conduzir aquelas delícias às suas bocas.

O justo rabino seguiu adiante e chegou ao Gan Eden.

Todos gargalhavam felizes diante de um esplendoroso clima de festa.

Observando melhor, surpreendeu-se ao ver que todos estavam sentados à volta de uma grande mesa, exatamente como vira no Gehena, inclusive, com iguarias, pratarias e louças semelhantes.

Mais assustado ficou ao ver que todos também tinham seus cotovelos invertidos.

Só que um detalhe fazia toda a diferença.

Cada um deles levava comida à boca do outro e assim, todos eram beneficiados.




Uma História Hassídica

NUMINOSIDADE



NUMINOSIDADE

Numinosidade, um termo cunhado por Rudolph Otto ao traduzir a expressão "nominous".

"Nominous" retrata a experiência que temos quando sentimos que estamos inegavelmente, irresistivelmente, inesquecivelmente na presença do Divino.


Podemos dizer que Numinosidade diz respeito à vivência de algo que transcende a todas as limitações humanas.



E como isso é completamente inexplicável,  Numinosidade não cabe, de forma alguma, no vocabulário humano.



O que temos como certo é o fato de ficamos sem palavras quando usufruímos por inteiro desse etéreo sentimento.






Numinosidade é privilégio que nos é outorgado pelo próprio Deus.





TÉRCIO PAIVA FARIAS



quinta-feira, 17 de outubro de 2013

DESERTO DA TRANSIÇÃO



Para sentir o gosto agradável de novas comemorações, não há outro jeito: o deserto da transição tem que ser atravessado de novo.


A marca-registrada do deserto, como sabemos, é a aridez.

E é justamente nela que temos de procurar todo e qualquer significado de mudanças em curso na vida.


TÉRCIO PAIVA FARIAS

terça-feira, 8 de outubro de 2013

LIBERDADE COM RESPONSABILIDADE


A liberdade garante que eu tudo posso.

Só há um senão: escandalizar os mais fracos na fé, de maneira alguma eu posso.

A minha responsabilidade para com eles é completa, caso pereçam por causa de algum exagero no usufruto de minha liberdade, peco contra eles e, pior, contra o Cristo também.



Não tenho como me safar.

O único jeito é ficar de olhos abertos para com tantos fracotes na fé que circulam à minha volta.

E cheio de dedos para não escandalizar a nenhum deles.



TÉRCIO PAIVA FARIAS


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

EM NOME DA RELIGIÃO




 
Muito mal tem sido causado em nome da religião.




Esse é o mote constante do ateísta Richard Dawkins ao males do mundo.


Ainda bem que os atos cruéis cometidos em nome da religião, de maneira alguma, contestam a verdadeira fé.


Contestam, isto sim, a natureza decaída dos seres humanos - a verdadeira causadora de todos os males - que  acontecem sem precisar do bordão "em nome da religião" tão disseminado pelo ateísta-mor de plantão.



TÉRCIO PAIVA FARIAS


terça-feira, 24 de setembro de 2013

ADULTÉRIO DO MESMO JEITO




O adultério, para Jesus, podia acontecer num leito em um quarto fechado, ou em qualquer outro lugar.


O detalhe por ele alertado era que, muito antes do ato ser consumado na cama, já tinha sido, há tempos, praticado no fundo do coração.
 
 

Isso leva à suposição de que muitos, talvez, até nunca tenham experimentado a prática física do adultério, entretanto, na surdina, estão cansados de fazê-la acontecer no coração.

Adultério do mesmo jeito.


TÉRCIO PAIVA FARIAS

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

MUITO MAL-EDUCADA







A morte não bate à porta e nem pede licença para entrar.

O profeta Jeremias disso se queixou:

"A morte subiu, penetrou pelas nossas janelas e invadiu as nossas fortalezas eliminando das ruas as crianças e das praças os rapazes." (Jr. 9.21)

Muito mal-educada essa tal de morte.


TÉRCIO PAIVA FARIAS


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

VISITA DE ANJO

        
               Ontem desliguei a TV cedo.
               Fui aprender algumas coisas,
               Das quais fujo, tenho medo.

               Um anjo visitou-me na noite chuvosa,
               Não poderia ter sido mais perfeito.
               Saí de mim, para a mim voltar novamente,
               Deixando aberto o meu peito.

               Para mergulhar no mar que não sei,
               Para deixar-me aonde fiquei.
               E retornar aos saltos no escuro,
               Onde o lugar mais seguro,
               É o abraço de Deus.
               Afinal são d'Ele os sonhos meus...


                                Gláucia Carvalho
                                     (obrigada anjo!)

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

LIGAÇÃO COM O DONO



LIGAÇÃO COM O DONO




"Você já ouviu o ganido de um cão por seu dono?
Naquele exato instante, o ganido é o único meio que ele dispõe de ligação com o dono.





Não tenha receio de exercitar-se nos clamores a Deus.
Trata-se de uma espécie de ganido, tal qual o do cão.
E, claro, também é a sua ligação com o dono.



TÉRCIO PAIVA FARIAS


PEGADINHA DA LEGALIDADE



PEGADINHA DA LEGALIDADE


Os fariseus, após intensos conchavos secretos, tentaram enredar o Mestre em suas próprias palavras.

Enviaram seus especialistas, reforçados por herodianos, com discurso irretocável e com tática de abordagem bem ensaiada, tudo na ponta da língua.

Na chegada, jogaram confete, serpentina, lança-perfume, um verdadeiro carnaval de palavras.


"Mestre, bem sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade. Tu não dás preferência a ninguém porque não consideras a aparência dos homens". (Mt. 22.16)

Após o oba-oba inicial, trataram de lançar o petardo ardilosamente arquitetado:


"É lícito pagar tributo a César ou não?"

A armadilha, cuidadosamente preparada, estava ativada.

Jesus, perceptivo como era, captou no ato a tentativa de pegá-lo em contradição, aproveitou então para escancarar os intentos escusos do bando.

"Por que me experimentais, hipócritas? Mostrem-me a moeda do tributo".

Estenderam-lhe rapidamente um denário.

Com gravidade, Jesus perguntou-lhe: 

"De quem é esta efígie e inscrição?"
  

  

A uma só voz, os fariseus responderam: 

"É de Tibério César, deus".

Com um certo ar de enfado e mofa, Jesus retrucou:

"Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". (Mt. 22.21)

Ouvindo isso, os espertinhos ficaram embasbacados, a tal ponto que trataram de puxar o carro e, de crista baixa, diga-se de passagem.

A pegadinha da legalidade não funcionou porque o real problema não era o imposto e tampouco seu pagamento.

O cerne da questão era a glória, a Glória de Deus.

Como o grupelho deve ter aprendido, a Glória de Deus nada tem a ver com dinheiro, emolumento, taxa, efígie, inscrição ou moeda.

A César, a vil moeda; a Deus, o coração.

A tão planejada pegadinha da legalidade foi mais um furo n'água dos ardilosos fariseus.


TÉRCIO PAIVA FARIAS

  

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

REFINO DA PRATA



 REFINO DA PRATA

Em um pequenino quintal de uma vila judaica, um refinador de metais observa atentamente os sulcos e veios do chumbo e de outros metais em pedaços de rocha tirados da profundeza da terra.
 
Seus olhos experientes percebem que misturado com o minério existe prata.
 
Prepara o fogo, pega o martelo e começa a esmagar a massa informe em pequenos pedaços.

Coloca tudo em um pequeno recipiente de barro chamado cadinho, que cuidadosamente é levado ao fogo no ponto exato.
 
Senta-se e espera, sem tirar os olhos do fogo, a prata é muito valorosa para perder-se por displicência.
 
O minério amolece e a prata, por sua menor fusão e maior densidade, é quem primeiro se funde, chiando e borbulhando ao liberar o oxigênio nela contido.

Nessa altura, as impurezas incrustadas desapegam-se, sobem à superfície e ficam bem à vista do refinador, que atento as lança fora.


Esse processo de limpeza se repete muitas vezes, até que um sorriso de satisfação se estampa na face cansada do fundidor.
 
O líquido prateado vai tomando forma e com tal consistência que se pode até ver o próprio reflexo nele com toda nitidez.
 
 

Finalmente a prata está refinada depois de um longo e doloroso processo carregado de paciência.
 O que antes era feio e grosseiro, tornou-se belo e precioso, mas teve que passar por duras  provações.

"Pois tu, ó Deus, nos provaste; tu nos afinaste como se afina a prata". (Sl.66.10)

Não há outro jeito.
Para se tornar prata, é preciso passar por provas de fogo, senão não há depuração.
 O teste de fogo expõe sujeiras e toda espécie de falhas e defeitos, a nada encobre, deixa tudo à mostra para todo mundo ver.



"O crisol (cadinho) é para a prata,e o forno para o ouro,mas o Senhor prova os corações". (Pv. 17.3)


Duas coisas são fundamentais no processo de depuração:

A primeira é que as escórias têm que ficar expostas à mercê da maledicência alheia;

A segunda é que elas têm que ser rejeitadas e, sem cerimônia, jogadas fora.

"Lança fora ao escarnecedor,e se irá a contenda,
e cessarão a questão e a vergonha". (Pv.19.10)

Só depois da cuidadosa depuração feita pelo fundidor é que a prata mostra todo o seu fulgor.

Deus - o cuidadoso refinador - não dá mole para as imundas escórias, até porque o brilho prateado de cada um corre o risco de ficar obscurecido se Ele assim não proceder.
Se a sujeira for deixada, a prata também se acomoda e logo será taxada de prata rejeitada porque estará cheia de impurezas.

"Já o fole se queimou, o chumbo se consumiu com o fogo; em vão fundiu o fundidor tão diligentemente, pois não são arrancados. Prata rejeitada lhes chamarão porque o Senhor os rejeitou". (Jr. 6.29-30)
 
O segredo é deixar-se limpar na faxina celestial, onde toda a impureza é recolhida, para deixar à vista o incrível fulgor pessoal.






TÉRCIO PAIVA FARIAS


domingo, 1 de setembro de 2013

RESERVA NERVOSA DESEQUILIBRADA



RESERVA NERVOSA DESEQUILIBRADA


Contra a minha vontade, segui para a divulgada conferência sobre saúde preventiva, a ser proferida por um renomado psiquiatra internacional.

Não dava a mínima importância ao acontecimento, aliás, classificava-o, imprudentemente, como coisa de louco.

Meu descaso talvez se devesse ao fato do renomado especialista ser um psiquiatra.

Nada contra a classe em geral, mas no passado, tive um vizinho que era profissional da área que, sinceramente, não recomendaria a ninguém, o cara era um tantã.

Perdi a conta de quantas pessoas precisaram de auxílio após se tratarem com ele, acabei marcado pela incompetência daquele médico maluco.

A minha esposa não compartilhava de minhas convicções sobre o assunto, talvez por causa das  esquisitices que ultimamente eu manifestava.

Enquanto achava que aquilo tudo não passava de historietas para boi dormir, minha família inteira estava deveras preocupada com a minha rabugice.


Relutante, inscrevi-me no tal congresso e, no dia aprazado dirigi-me ao salão de convenções do hotel onde aconteceria a importante palestra sobre prevenção no tratamento de enfermidades.

Claro que cheguei atrasado, na verdade, estava me acostumando a chegar tarde em tudo quanto é compromisso.

Nos cultos de oração no meio da semana, pelo menos, cinco minutinhos de atraso podia-se contar no relógio; na escola bíblica, eu só chegava depois da abertura e, na celebração – o principal culto da igreja – não me lembro de ter primado pela pontualidade.

A igreja, pelo que parece, entrou em meu ritmo, todos se atrasam um pouquinho, seja qual for a reunião marcada.

O famoso psiquiatra já estava falando quando tomei o lugar numa poltrona dos fundos, caso não gostasse do ambiente, poderia me esgueirar com facilidade sem que fosse notado.


Não é assim que fazem os membros de igreja?

“Quero demonstrar aos senhores alguns sinais que indicam com clareza quando a reserva nervosa está fora de controle” - falava com voz anasalada, defendendo sua tese, o médico estrangeiro.

Sem querer, fui despertado pela expressão “fora de controle”, dado que me achava um sujeito com autocontrole muito acima da média.

Sempre cuidei para que nada escapasse ao meu comando, vivia a repetir uma frase, como se tivesse decorado uma lição de casa: “está tudo sob controle”.

"O primeiro sinal que se manifesta em quem está com a reserva nervosa desequilibrada, é a irritabilidade. 
O indivíduo, antes calmo e cordato, torna-se uma pilha de nervos, principalmente, com a família e com os mais próximos e coitados dos que têm que aturar esses nervosinhos” - despejou, sem meios termos, o famoso doutor.

Naqueles dias eu andava azedo, com o humor em sequidão de estio, em pensamento já tinha mandado um par de vezes, o doutorzinho engomado com suas teorias e tudo, às favas.
“O segundo sinal que se manifesta em quem está com a reserva nervosa desequilibrada é a falta de concentração.
A mente do indivíduo passa a divagar com uma facilidade incomum. Não domina nem os assuntos mais corriqueiros.
Perde a concentração em tudo o que se propõe a fazer” - explicitava o famoso doutor aos seus ouvintes, que de tanta atenção, mal piscavam os olhos.

Confesso que, ultimamente, estava com dificuldades em concatenar ideias sequenciais em meus sermões.

Se não as escrevesse, estava frito, a cabeça não ajudava mais, às vezes, falava sobre um determinado assunto e, ao dar uma pausa, não conseguia mais atinar com o que vinha dizendo, preocupado, cheguei a pensar que estava pirando de vez.
 
Não é preciso dizer que a esta altura da palestra, o especialista começava a dominar a minha atenção.


“O terceiro sinal que se manifesta em quem está com a reserva nervosa desequilibrada é o esquecimento.
O indivíduo passa carão só porque não consegue lembrar dos nomes de amigos e conhecidos. Mas o cúmulo da vergonha é quando esquece os nomes de remédios, ruas, marcas,  estabelecimentos... não serve mais como fonte de informação nem para as crianças. 
O cidadão, que antes era tão vivaz, transforma-se num completo panaca ambulante.
Com a sequência de esquecimentos ele gera ressentimentos, mormente, quando datas importantes da família são passadas em branco, pagamentos de contas não são efetuados, e compromissos assumidos são olvidados” - era o que dissertava o palestrante, cheio de autoridade.

Nessa altura do campeonato, eu já tinha começado a afundar na confortável poltrona do auditório, pois não é que eu tinha esquecido de pagar as últimas contas de água e de luz da minha casa? Quase foram cortadas, e nem imaginem a bronca que levei da patroa enfurecida com a minha vacilada.

“O quarto sinal que se manifesta em quem está
com a reserva nervosa desequilibrada, é a insônia. O indivíduo não consegue mais manter um padrão de eficiência durante o dia, para compensar, força a mente ao máximo nas horas de vigília, e só acaba chovendo no molhado”.

  Com esta expressão final, senti que o famoso doutor tinha deixado escapar uma ponta de ironia em sua voz.

Eu estou dormindo cada vez menos, minha mente, qual um potro selvagem, se recusa a desligar-se.
Vivo plugado, elétrico, com os pensamentos parecendo feras indomáveis, a minha situação está complicada demais.

Durmo tarde, acordo cedo, tenho lapsos de esquecimento, os nervos estão aos pandarecos, arrasto-me fatigado durante o dia.

O especialista tem razão em tudo o que falou até aqui, a minha reserva nervosa está desequilibrada mesmo.

“O quinto sinal que se manifesta em quem está com a reserva nervosa desequilibrada são as frequentes dores de cabeça. O indivíduo acusa pontadas vagas que o incomodam sem parar. Sem que ele se dê conta, sua mão está sempre pousada sobre a cabeça, sinal claro do incômodo que o atormenta” eram as palavras professorais do orador.

Eu me vangloriava com a minha mulher quando ela reclamava das periódicas enxaquecas que a atingiam:
“O degas aqui, ó batia na cucanem dor de cabeça tem”. Isso foi há tempo, agora, as pontadinhas não me largam mais um minuto sequer.

“O sexto sinal que se manifesta em quem está com a reserva nervosa desequilibrada, é uma leve depressão. No começo, a sensação que o indivíduo tem é a percepção clara de  auto- comiseração. Sente-se como um coitado, alardeia que ninguém mais liga para ele. Depois dessa fase, é tomado por uma raiva feroz contra tudo e contra todos. Sua ira, ao final, volta-se contra ele mesmo, e o resultado é a autoestima mergulhada em um baixíssimo nível, bem próximo ao zero.
Nesse ponto, o indivíduo está enredado em sérias complicações”
- esclarecia o famoso doutor.

Confesso, sem nenhum constrangimento, que eu estava sentindo pena de mim naquele exato momento.

Lembro que esse sentimento de autopiedade vinha acompanhado de uma raiva surda, inexplicável, e se manifestava nos momentos mais inapropriados.

Para um ministro religioso, convenhamos, isso não pega nada bem, sentia-me culpado até à medula.

A minha autoestima estava quase no fundo do poço, desconfortável e aflito, tentava a todo custo, disfarçar o impacto dos argumentos, mas o cidadão tinha me enquadrado direitinho.


 “O sétimo sinal que se manifesta em quem está com a reserva nervosa desequilibrada é a fadiga crônica.
O indivíduo é acometido por um cansaço tal que, por mais que durma, a fadiga teima em continuar” enfatizou o médico cheio de moral, com a plateia na palma da mão.

 Não é preciso nem dizer que eu estava entregue, ainda mais depois desse último tópico.
Eu me sentia extremamente cansado, se pudesse, encostar-me-ia no primeiro canto disponível, mas com cuidado para não desabar como um saco de batatas ao primeiro movimento mais brusco. 
Minha situação estava difícil, muito difícil.

Acabada a palestra, continuei por ali, com o olhar perdido, com cara de bobo, sem prestar atenção em nada à minha volta.

De repente, tive um sobressalto ao ouvir uma expressão muito conhecida que soou muito estranha naquele ambiente:

“Irmão pastor! O senhor por aqui ?”

Não preciso nem dizer quem era a peça falante, era ele, ele mesmo, a figurinha carimbada do Velho João Amorim. 
O que me irritou logo de cara, foi a colocação que ele fez:  
“O senhor por aqui ?”  
Como se fosse coisa do outro mundo eu estar numa conferência como aquela, aliás, pensando bem, eu que deveria estar perguntando a ele:  
“O que o senhor está fazendo por aqui?”   
Mas não deu tempo, o velho sem titubear, liberou 
sua matraca incontrolável:
“Irmão pastor! O senhor anda meio esgotado, dá para ver. Eu já venho notando isso há algum tempo. Os irmãozinhos da Igreja também andam percebendo como o senhor está perdendo o controle com facilidade. Dizem que antes o senhor era um homem classudo, fino, elegante, educado, jamais elevava a voz, e que agora – desculpe dizer isso – perdeu a pose, está desleixado no vestir, aparece com a barba por fazer, fica com um ar distante, mal humorado, não parece nem de longe com aquele pastor que deixou a todos fascinados quando por aqui chegou. Ainda bem que descobriu que precisa de tratamento, não é mesmo? Irmão pastor! Perdoe a minha intromissão, o senhor me conhece bem, sabe que eu não consigo me conter, portanto, vou lhe confessar: fui eu quem forçou a sua esposa a lhe convencer a estar nesta conferência. Não resisti e vim até aqui só para checar se o senhor tinha vindo mesmo”
 
Ah! isso era demais, esse velho abelhudo estava passando das contas.
 
Já que a minha reserva nervosa estava desequilibrada, aproveitaria para extravasar todo o descontrole acumulado para cima do velho xereta.
 
Foi quando me lembrei das palavras do famoso doutor e do ambiente onde me encontrava, c
ontive-me a custo.
 “Irmão pastor! continuou o abelhudo, sem notar a minha extrema irritação “o meu conselho é: reúna a sua diretoria, peça uma licença para lidar com calma de sua recuperação. Não teime em continuar, as coisas só vão piorar. Não se preocupe com a Igreja, no começo, vai ser uma chiadeira geral, mas depois, todos entenderão que é preciso zelar pelo bem-estar do ministro esgotado. Afinal, ele é a imagem da instituição,carece, portanto, de todo cuidado possível”.

Que o Velho João Amorim é um doidivanas todo mundo sabe!
Que é um chato de galochas, todo mundo também sabe!

O que quase ninguém sabe é que o homenzinho entende de gente como poucos.
 
Nenhum dos meus catedráticos assessores notou a minha aflição, mas o velho intrometido, sempre alerta, estava de olho em minhas necessidades.
 
E o que ele fez ? Levou minha esposa a me convencer a vir ao congresso ministrado pelo famoso psiquiatra internacional, tudo bem urdido, só para que eu fosse beneficiado, de
vo mais essa ao Velho João Amorim.

Livre do diácono abelhudo, procurei recordar-me das receitas do especialista para manter a minha reserva nervosa equilibrada:
Resguardar-me, seja qual for a situação, até mesmo nas de grande entusiasmo, isso é comedimento.

Distanciar-me, sempre que puder, do foco principal dos acontecimentos e manter tudo sob perspectiva com um certo nível de indiferença.

Ceder pontos de vista em embates, evitá-los se for o caso, de nada adianta ganhar discussões.

Evitar viver apagando incêndios, para isso,praticar o saudável hábito da prevenção, procurando sempre a antecipação em qualquer coisa.

Disciplinar-me em relação a tudo, principalmente naquilo que traz dividendos pessoais, como o sono e o folguedo, que ele qualificou de prática de repouso em medida certa.

Vencer preconceitos, eles são devastadores,   provocam panes de ansiedade que detonam as estruturas emocionais.

Praticar ações que beneficiem aos outros, levando em conta que objetivos egoístas consomem grande carga de energia, enquanto que objetivos humanitários,  geram considerável energia.

Naquela noite, algo aconteceu. Antes de cair em um sono reparador, o que há muito não ocorria, lembro-me apenas que recitava um famoso verso do livro de Salmos:


“Em paz também me deitarei e dormirei, pois só tu Senhor me fazes habitar em segurança” ( Sl. 4:8 )


Foi o adeus definitivo à Reserva Nervosa Desequilibrada.


TÉRCIO PAIVA FARIAS