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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

À BEIRA DO ESTRESSE



À BEIRA DO ESTRESSE


- Pastor, pastor!

– Era o brado do diretor da Escola Bíblica correndo 
em minha direção.

Arfando, despejou a sua preocupação:

- O tesoureiro não quer liberar verba para a literatura do semestre, seu argumento é que vai faltar dinheiro 
para outras prioridades da igreja.

Logo a seguir, quem se aproxima é o diretor de música, que cochicha ao meu ouvido:

- Preciso de uma conversa reservada com o senhor, urgentemente.

A secretária, que notara a minha chegada, vai à janela 
de sua sala, põe a mão em concha e alça a voz:

- Pastor, não esqueça o seu compromisso das 10 horas, 
as pessoas já ligaram, estão à sua espera.

Limito-me a balançar a cabeça confirmando.

Mal viro o rosto, ouço novamente a sua voz:

- Pastor, há alguém na sala de espera querendo falar com o senhor, não o conheço, mas pelo jeito, é um daqueles.

“Um daqueles”, dizia respeito aos tipos que rondam costumeiramente as igrejas pedindo auxílio, quase sempre fundamentados em histórias mirabolantes.

Artistas da mendicância, cantam hinos, oram bonito e até citam de cor passagens das Escrituras Sagradas.

- Ops... e antes que eu esqueça - era a secretária mais uma vez - o telefone está tocando, 
mas ainda tenho uma coisa para lhe dizer.

Outra vez balanço a cabeça concordando.

Quase que por encanto surge à minha frente, o diretor de patrimônio, trazendo alguns papeis que pareciam orçamentos de serviços de terceiros que 
 seriam prestados à igreja.

Estamos reformando algumas salas e o pedreiro, um sujeito trabalhador, porém, dado excessivamente à bebida, não aparecia há dois dias na obra.

Automaticamente, penso com meus botões: 
- Que raça irresponsável!

O meu pensamento abrangendo toda uma classe, 
já era um claro sinal de que o meu 
equilíbrio emocional estava indo para o espaço.

O diretor de patrimônio ali defronte, insiste em saber a minha opinião acerca do faltoso pedreiro.

Esse irmão, o que está diretor de patrimônio, é um bom homem, esforçado colaborador e fiel companheiro, mas tem uma característica pessoal distintiva: nunca chama para si qualquer responsabilidade, por menor que seja.

Tem por hábito jogar tudo nas largas costas do pastor, 
e eu, claro, aceito sem reclamar.

Com isso tudo acontecendo, dei-me conta de que a minha agenda está cheia de compromissos para o final de semana que se aproxima.

No sábado, logo cedo, tenho que falar a um grupo de pastores reunidos num café da manhã.

Na parte da tarde, tenho que me deslocar a uma chácara distante, a mais ou menos 50 Km de minha casa, onde estará ocorrendo um encontro de casais, e eu tenho como incumbência, levar a primeira palestra do evento.

Em seguida, tenho de sair correndo para, às 19 horas, estar numa cerimônia de casamento de gente chegada à minha família que, insiste de todas as formas, 
que eu faça a entrega das alianças na cerimônia.

Minha semana foi estafante demais, e constrangido, sinto em dizer, mal peguei na Bíblia para uma ligeira meditação, afinal, foram tantos os afazeres que 
não tive tempo para nada mais.

Com isso, fica bem nítido que não tenho nada preparado para falar aos pastores e aos casais acampados 
na chácara.

Quanto a cerimônia de entrega das alianças, isso não há problema, tiro de letra, sei tudo de cor e salteado.

Mais a agonia bateu forte quando me lembrei de que às 13 horas, tenho o programa de rádio oficial da igreja.

Ultimamente eu vinha dando uma atenção toda especial ao programa, notadamente, por causa da criação de uma série de mensagens usando a expressão: 
“Cuidado com... “

A audiência no horário - segundo dados da emissora -  aumentou consideravelmente devido ao quadro 
que eu estabeleci no programa.

Nessa semana, confesso-lhes: não há nada preparado, sequer o tema a ser abordado eu possuo.

Pelo jeito, tudo vai sair no grito... palestra aos pastores, palestra aos casais, cerimônia de entrega das alianças, e até o precioso quadro “Cuidado com ... ”, que foi alvo 
de tanta atenção de minha parte em tempo passado.

Começo a sentir um bolo no estômago, a respiração está entrecortada, e ao passar a mão na testa, 
um suor frio empapa todo o meu rosto.

O atolamento em que me encontro está me deixando deveras desanimado, sinal claro de que estou 
a um triz de um colapso nervoso.

Olho para o grupo ali postado diante de mim, e constato que todos falam atabalhoadamente, sem parar, 
e eu, apenas ouço o burburinho das conversas.

Meus pensamentos - tais quais potros selvagens - estão distantes e carregados de preocupação.

A auto-comiseração, repentinamente, bate forte em meu peito, e a tal ponto que me pego falando comigo mesmo:

- Caramba! eu atendo todo mundo, sou gentil com as pessoas, procuro, incansavelmente, resolver todos os problemas, participo de reuniões de grupos, 
e me envolvo sempre com extrema dedicação.

Reúno-me periodicamente com a diretoria, com as comissões oficiais, visito os membros da igreja, nunca esqueço de levar palavras de conforto às velhinhas 
e às viúvas, e até participo de reuniões 
com os comitês da denominação.

Se bem que dessas, tenho a dizer que se discute, discute, discute, e só a passos de tartaruga é que se chega a algum tipo de ação, o que contraria totalmente 
o meu modo de ser e de proceder.

Ah! lembrei-me de mais uma coisa que tenho que resolver de uma vez por todas.

Diz respeito aos meus dias de folga que só constam no papel, e ninguém os respeita.

Para ser sincero, nem eu tampouco.

Pois bem, ali no saguão da igreja, a vontade que eu tinha naquele momento era a de dar meia volta 
e jogar tudo para o alto.

Estou fatigado, amargo e infeliz.

Pode um negócio desse, um pastor infeliz?

Mas o ponto demolidor aconteceu quando o meu pensamento voou para a minha casa.

O tanto de trabalho que abracei até aqui, 
talvez tenha sido para esquecer de meus 
enormes problemas particulares.

Em casa, o rojão é outro.

Fico até envergonhado de compartilhar, mas o caos financeiro em que estou metido, amigos, é de arrepiar.

Meu orçamento está estourado, as contas se avolumam, 
o cartão de crédito vive na estratosfera, 
e não tenho a quem recorrer.

A igreja está descartada, pois segundo o tesoureiro – um típico contador de tostões – o que tem em caixa não dá nem para pagar a literatura das crianças da Escola Bíblica.

Sem saída, ali mesmo, cercado de pessoas, imperceptivelmente, faço um clamor a Deus:

- Ó Senhor! corre depressa em meu auxílio!

Meus olhos ficam marejados de lágrimas, a custo eu as contenho, minhas pernas bambeiam, 
e quase não me aguento em pé.

O estado do pastorzinho – que sou eu – 
é de dar pena, amigos!

Eu que me habituei a balançar a cabeça concordando com tudo o que é dito, ali naquela rodinha, comprovo que ninguém se dá conta de minha enorme 
aflição de espírito.

Peço licença, sigo para o gabinete pastoral, onde outros problemas - com água na boca - me aguardam.

Mal dou dois passos e ouço o indefectível som, 
como se fosse uma uma cantilena:

- Irmão pastor! Irmão pastor!

É ele, sim, é ele, o Velho João Amorim - diácono jubilado, sem papas na língua que, com seus olhinhos argutos, enxerga o que ninguém mais consegue ver.

Atormentado como estava, penso:
- Ó Senhor! tudo, tudo, menos isso, não sei se consigo suportar algum tipo de reprimenda, 
ainda mais advinda desse homem.

Mas o Velho João Amorim, sem mais nem menos, 
logo solta a matraca:

- Irmão pastor! eu estava à distância, apreciando o grupo à sua volta, na espreita de captar o que de fato está acontecendo.

Parece que tudo está dando errado, não é?

Mas sabe o que mais me assustou, Irmão Pastor?

Naquele agrupamento, ali no saguão da igreja, 
o senhor não era o senhor, dá para entender?

O senhor se tornou um ativista de marca maior, uma espécie de faz-tudo, um tipo de super-homem.

Olhe, Irmão Pastor! o Senhor Deus não o chamou 
para isso não!

Ele o separou para equipar os santos e ponto final.

São eles - os santos - eles é que têm de fazer as coisas 
de Deus acontecerem aqui na terra.

Ao senhor, cabe uma ajudazinha aqui, outra acolá, quanto ao resto, Irmão Pastor, entenda de vez, 
é com o Todo-Poderoso.

Reúna sua diretoria e peça um sumiço do mapa por uns tempos, e saia da tormenta em que o senhor se meteu.

O senhor vai notar que tudo seguirá o seu curso normal, mesmo sem a sua onipresente figura.

E sabe por que, Irmão Pastor?

Porque a obra não é sua, é Dele, sendo assim, 
Ele faz e acontece como bem o quiser.

Será que o senhor se esqueceu do versículo do salmo, que é tão recitado do púlpito?
“Entrega o teu caminho ao Senhor, confia Nele, 
e Ele tudo fará” (Sl. 37.5)

Bom-dia, Irmão Pastor!

Entro correndo na sala pastoral com cara de bobo, 
logo eu, que me acho tão esperto.

Depois da tirada do Velho João Amorim, não é que eu comecei a fazer conjecturas de forma diferente?

- É verdade - dizia eu comigo mesmo - ando mesmo com a mania de querer fazer tudo, isso está acabando comigo, 
e pior, com os que me cercam também.

É verdade - reconhecia eu - estou à beira do estresse.

Ufa! dou um longo suspiro, e completo baixinho:

- Ainda bem que esse diácono abelhudo 
- o Velho João Amorim - me detonou.



TÉRCIO PAIVA FARIAS
  PEPITAS do Tércio 
Série "Crônicas da Vida Pastoral"

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